Alerta das Ciências Naturais e Exatas nº24/2013 - 17 de fevereiro de 2014
Autores
Thekra al-Belooshi, Annie John, Amna Al-Otaiba and Haider Raza*
State-of-the-art
A overdose de um dos mais frequentemente utilizados analgésicos e antipiréticos, o paracetamol (APAP) é uma das principais causas de toxicidade hepática levando ao transplante de fígado ou à morte. O APAP é primariamente ativado no fígado, no sistema do citocromo P450, sendo convertido no metabolito N-acetil-p-benzoquinona-imina (NAPQI) que, por sua vez, é destoxificado por conjugação com glutationo (GSH).
Todavia, esta conjugação, em altas concentrações de APAP, leva à diminuição severa do pool de GSH, essencial para a manutenção do metabolismo redox, causando stress oxidativo agudo e, consequentemente, toxicidade celular. Os mecanismos de ativação metabólica, toxicidade e destoxificação do APAP no fígado, rins e outros tecidos têm sido alvo de estudo. Stress mitocondrial, produção de formas ativas de oxigénio (ROS) e de azoto (RNS) estão aparentemente relacionados com a toxicidade induzida por APAP.
Recentemente foi demonstrado que a lesão hepática espoleta a ativação de células associadas à resposta imunitária inata, concretamente macrófagos hepáticos e circulantes. Estas células contribuem para a patofisiologia da lesão tecidular. A acumulação localizada de macrófagos de forma modulada contraria a toxicidade aguda causada por APAP. O papel destes macrófagos na patogénese e na proteção contra a toxicidade causada por APAP remanesce controversa, devido a existência de estudos referindo tanto citoproteção como citotoxicidade.
Foi sugerido que a inativação de macrófagos diminui a toxicidade causada pelo APAP presumivelmente por inibição da produção de RON e de RNS. A suplementação com o antioxidante GSH (conjugação do APAP) ou com um dos precursores da síntese de GSH, N-acetilcisteína (restaura o GSH intracelular), impede a morte celular em células de mamíferos. O mecanismo de ativação, toxicidade e destoxificação do APAP em células não hepáticas, concretamente nos macrófagos, não está esclarecido. Dado que o tratamento com N-acetilcisteína não é tão eficaz após algum tempo (1-2 h) de hepatotoxicidade instalada, presume-se que a restauração dos níveis de GSH pode não ser o único mecanismo envolvido na prevenção da toxicidade induzida por APAP.
Neste contexto, os autores foram investigar os efeitos do APAP no metabolismo redox celular e stress oxidativo utilizando uma linha celular de macrófagos monócitos, J774.2 em cultura. Estas células exibem uma resposta única ao APAP, associada à inibição do enzima COX-2. Foi selecionada uma concentração sul-tóxica de APAP (1 μmol/ml) e uma dose experimental superior (10 μmol/ml) de APAP para elucidar o mecanismo pelo qual o APAP modula a citotoxicidade e a função redox mitocondrial em células J774.2.
O stress oxidativo mitocondrial foi estimado recorrendo ao estudo de alterações na produção de ROS, de peróxidos lipídicos e proteicos, no metabolismo do GSH em mitocôndrios isolados de células tratadas com APAP. Foi também comparado o metabolismo mitocondrial do GSH com o metabolismo redox extra-mitocondrial. A expressão dum marcador de stress oxidativo, NF-kB bem como de marcadores de apoptose, citocromo c e a ativação da poli-(ADP) - ribose polimerase (PARP), foram estudados nas mesmas condições.
Resumo
O potencial citotóxico duma droga antipirética e analgésica, o paracetamol (APAP), foi avaliado em células de ratinho J774.2 macrófagos monócitos. A citotoxicidade do APAP foi avaliada através dos ensaios de viabilidade celular (MTT) e de apoptose.
Baseado nos ensaios de viabilidade celular e de apoptose, foram desenhados novos ensaios com doses de 1 μmol/ml e 10 μmol/ml de APAP em células J774.2. O stress mitocondrial, espécies ativas de oxigénio (ROS), glutationo mitocondrial (GSH) metabolismo, peroxidação lipídica e proteica foram medidos em células tratadas com APAP. Foi observado um aumento do stress oxidativo mitocondrial e da produção de ROS. Um decréscimo do pool de GSH mitocondrial, acompanhado por um aumento na peroxidação lipídica e proteica aparenta ser a principal causa do stress oxidativo mitocondrial. Os pool de GSH e os enzimas metabolizadores de GSH foram afetados diferencialmente nos compartimentos mitocondrial ou extramitocondrial.
O aumento da translocação nuclear de NF-kB-p65, um marcador do metabolismo redox foi também observado nas células tartadas com APAP. Acresce que se demostrou, pela primeira vez, que o enzima mitocondrial aconitase, é um alvo potencial para ROS em células J774.2, podendo ser utilizado como marcador de citotoxicidade induzida por APAP. Os resultados sugerem que a citotoxicidade induzida por APAP em macrófagos é mediada por um aumento de stress oxidativo mitocondrial e uma alteração do metabolismo redox.
Relevância para as Tecnologias da Saúde
A toxicidade de fármacos de utilização disseminada é um problema premente no mundo inteiro. Concretamente o paracetamol, é o fármaco recomendado pela OMS como analgésico e antipirético. A utilização em overdose pode ser fatal, sendo que em muitos casos só o transplante hepático pode salvar o intoxicado.
O estudo dos efeitos do paracetamol em modelos celulares, permite um desenvolvimento mais acelerado do conhecimento da bioquímica do fármaco do que esperar pela casuística clínica. Acresce que permite muito mais abordagens experimentais, apenas limitadas pelos recursos materiais e pela imaginação.
É um excelente exemplo a aplicação direta do conhecimento desenvolvido com modelos unicelulares ao ser humano.
Artigo original disponível em:
http://nwpii.com/ajbms/papers/AJBMS_2010_2_05.pdf